Dr. Celso Cukier
O que é síndrome do intestino curto (SIC)?
A SIC caracteriza-se pela perda anatômica ou funcional do intestino delgado ocasionando diarréia, esteatorréia e mal absorção, com conseqüente desnutrição. A deficiência absortiva ocorrerá de acordo com a porção intestinal ressecado e pode ser específica. Como exemplo cita-se a ausência do íleo acarretando deficiência específica de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e gorduras.
Quais as principais causas de SIC?
A SIC pode ter como etiologia 1) as ressecções intestinais extensas (oclusão vascular mesentérica, ressecções múltiplas por enterite regional, doenças malignas, trauma), 2) as derivações intestinais por obesidade mórbida e hipercolesterolemia, gastro-ileostomia inadvertida e fístulas internas e 3) doenças que comprometem o intestino delgado (enterite granulomatosa extensa, enterite actínica, carcinomatose, atresia intestinal congênita).
Quais são as principais causa de diarréia/ esteatorréia em ressecção intestinal extensa?
Este aspecto dependerá da porção intestinal retirada. Pode ser dividida em:
Ressecção distal: Falta de sais biliares para absorção de gorduras; Irritação do cólon por sais biliares não absorvidos; Irritação do cólon por ácidos graxos não absorvidos.
Ressecção proximal: Hipersecreção gástrica (volume e carga de soluto); Inativação da lipase pancreática pela acidez gástrica; Insuficiência pancreática por redução da secretina e colecistoquinina; Carga osmótica dos açúcares não absorvidos (falta de dissacaridases).
Como é a evolução nutricional da SIC?
Pode-se dividir a SIC em três fases distintas. A primeira consiste no período de perda hidro-eletrolítica por diarréia intensa, que se reduz de um a três meses, principalmente se associado a medicação adequada. A segunda fase reflete o período de adaptação. Ocorre equilíbrio hidro-eletrolítico com controle da diarréia. Nesta fase deve-se observar deficiências de cálcio, magnésio e potássio. Nesta fase alimentação oral pode ser gradualmente reintroduzida. Na terceira fase, que nem sempre é alcançada, alimentação oral pode manter o peso corpóreo. O período de adaptação intestinal pode variar de seis meses a dois anos. Quando as necessidades nutricionais não são atingidas com a dieta oral ou enteral opta-se pelo uso da nutrição parenteral.
Por que ocorre a formação de cálculos renais e biliares em SIC?
As etiologias diferem. A formação de cálculos renais relaciona-se com a absorção de cálcio. Como esses pacientes são freqüentemente restritos de produtos lácteos ricos em cálcio, ocorre absorção de oxalato que formará cristais de oxalato de cálcio a nível renal. A ministração de cálcio exógeno pode retardar ou evitar esta complicação.
Com a modificação dietética e absortiva de gorduras ocorre modificação da composição biliar. A vesícula biliar, sofrendo alterações de sua contractilidade, facilitará a deposição de substâncias em seu fundo. Estes dois fatores associados podem ocasionar a formação de cálculos biliares.
Por que ocorre desnutrição na Doença Inflamatória Intestinal (DII)?
Na agudização da DII a diarréia intensa e a dor abdominal contribuem certamente para a desnutrição. Estes elementos promovem grande perda de macro e microelementos e dificultam a ingestão oral de nutrientes. A introdução precoce da terapia nutricional, enteral ou parenteral, nos casos mais graves pode favorecer a recuperação clínica e estabilização do paciente.
Como o óleo de peixe interfere na DII?
Na etiopatogenia da DII ocorre produção de prostaglandinas e leucotrienos pela mucosa intestinal, especialmente PGE2 e LTB4, que têm ações pró-inflamatórias. A diminuição da ingestão de triglicérides de cadeia longa e/ou a associação dietética do óleo de peixe podem diminuir os agentes pró-inflamatórios e aumentar a produção de prostaglandinas e leucotrienos das séries três e cinco, respectivamente (PGE3 e LTB5), com ação inflamatória reduzida. Neste sentido, trabalhos clínicos e experimentais têm demonstrado ação benéfica do uso do óleo de peixe na doença de Crohn e RCUI.
Na doença de Crohn, a terapêutica nutricional pode influenciar aspectos imunológicos?
A terapia nutricional bem orientada pode modificar a flora intestinal, reduz a captação de antígenos macromoleculares, melhora o estado imunológico geral, diminui a recirculação de linfócitos intestinais, diminui a perda de linfócitos do intestino e altera a síntese de mediadores inflamatórios.
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